Dois Goleiros

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Dois Goleiros

Meados dos anos 40, dois jovens goleiros disputavam a titularidade. Mal sabiam eles o quanto suas vidas e carreiras decolariam em caminhos opostos.

Meu avô Délio começou a jogar profissionalmente no Canto do Rio, em Niterói. Pelo campeonato estadual, despertou interesse dos clubes do outro lado da Bahia de Guanabara. Em 1946 foi contratado pelo Fluminense, onde jogou por dois anos e meio. Foi titular no primeiro, tendo como reserva imediato ninguém menos que Castilho, quem viria depois a ser o maior goleiro e um dos maiores ídolos da história do clube. Castilho defendeu o Brasil em quatro copas do mundo e é até hoje o atleta com mais jogos oficiais com a camisa tricolor.

Délio conta que ficava impressionado com a dedicação de Castilho. Na época não havia treinadores de goleiros. Muitas vezes, por insistência de Castilho, eles prolongavam o próprio treino, ficando os dois, por conta própria, simulando situações de jogo, o que culminava numa disputa de pênaltis valendo uma laranjada na lanchonete que ficava na esquina das Laranjeiras. Diz meu avô que tomou muitas laranjadas às custas de Castilho.

Na época, ser jogador de futebol, mesmo de um grande time, não era lá um grande negócio. Tendo recebido uma educação escolar razoável, Délio estava no futebol só de passagem. Como eram somente dois treinos e um jogo por semana, no tempo restante se dedicava em terminar o curso de contabilidade, enquanto procurava também um emprego melhor.

Já Castilho, tudo que tinha era o futebol. Ele comentava abertamente com Délio que quando tomasse a vaga de titular não lhe daria mais oportunidade. Tamanha era sua consagração que anos mais tarde ficou famoso por amputar um dedo contundido, para poder retornar mais rápido aos jogos.

Com o imenso sucesso na carreira, Castilho estava certo em se consagrar ao futebol. Délio também estava certo em se afastar. Diferentemente do amigo, que teve um final de vida trágico, supostamente com problemas financeiros e psicológicos, Délio teve uma vida equilibrada. Fez carreira como contador da Companhia Nacional de Petróleo e, depois, da Petrobrás. Pôde oferecer para si e para nós familiares uma sólida condição material. Do futebol, trouxe a disciplina, o esforço, o gosto pela vida saudável e, claro, o amor pelo Fluminense, que hoje une quatro gerações da sua linha hereditária.

Largou o futebol profissionalmente, mas não largou por hábito. Sempre praticou esportes e, pelo exemplo, também nos estimulou a praticar. Lembro de quando me levava diariamente para a natação. Nas sextas-feiras, na volta, tomávamos sorvete na lanchonete na esquina da rua lá de casa. Um momento muito feliz de recordar. Para mim, o soverte tinha gosto de sorvete. Para ele, provavelmente tinha gosto de laranjada.

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