Um professor
15/10/2020 2023-03-07 14:59Um professor

Um professor
Nos tempos de escola, nunca senti verdadeiramente o risco de ser reprovado. Quando de vez em quando vinha uma nota baixa, eu sabia que uma estudadinha a mais já bastava, e todo o resto convergiria para que eu não reprovasse.
Já na faculdade foi diferente: tirei um zero logo de cara. E, pior, não via perspectiva alguma de as coisas melhorarem.
Não foi só eu. Da turma de vinte e cinco alunos, somente dois não tiraram nota baixa.
A insatisfação foi geral. Achamos um absurdo uma prova de tamanha dificuldade. Reunimo-nos cheios de razão para falar com o professor e exigir que a prova fosse anulada. Eu tinha certeza de que teríamos êxito, tamanha a mobilização que havíamos organizado.
Para minha surpresa, porém, o professor foi irredutível. Não cedeu, não demonstrou um pingo de comoção, sequer. Ressaltou, inclusive, que as provas seguintes não seriam mais fáceis. Pelo contrário, faria questão de que a dificuldade aumentasse.
Fiquei revoltado. Considerei o professor insensível e autoritário. Até então, toda mobilização coletiva que eu havia presenciado havia dado algum resultado. Mas, ali, não houve jeito. Não havia mais com quem nem onde reclamar. Ainda sem entender aquele desfecho desfavorável, fui seguindo, entre ressentido e revoltado, a única saída que então se apresentava: estudar.
Não foi fácil. Mal acostumado com uma formação onde tudo conspirava pelo aluno, descobri que, apesar de até então ser considerado um bom estudante, eu não sabia estudar.
Se o conteúdo por si só já era bem complicado, as reações internas contra o professor, frutos de uma inércia enraizada, dificultava ainda mais meu trabalho. Mas à medida em que fui avançando no estudo, noite após noite, madrugada a madrugada, as reações foram se dissipando, e o conteúdo — sabe-se lá como! — foi sendo assimilado.
Mais instrutivo que qualquer trote de faculdade, aquela verdadeira prova fez com que eu me tornasse um aluno melhor, descobrindo uma capacidade de aprender que eu ignorava.
Hoje já compreendo também que a experiência teria sido menos dolorosa e mais bem aproveitada se, ao invés de ter resistido à dificuldade e buscado amparo na média, a qual eu e os alunos representávamos, eu houvesse me inspirado no professor, o “outlier”, que, afinal, tinha o conhecimento porque, antes, já havia feito o esforço que eu não queria realizar.
Neste dia do mestre, obrigado, professor, pelo zero a que sou tão caro.
Publicado originalmente no Linkedin, em 15/10/2020: https://www.linkedin.com/pulse/um-professor-felipe-nunes