Olá vizinho
09/05/2020 2023-03-07 15:02Olá vizinho

Olá vizinho
A reação era automática. Saindo de casa, se ouvisse alguma movimentação que indicasse que o vizinho estava ali fora, esperava um pouco mais, até que ele entrasse no elevador ou em sua casa.
Quando eu cruzasse a porta de casa, viraria o eu-trabalho. A esse eu, nada interessa conversar. Melhor aproveitar os segundos no elevador para adiantar alguma coisa pelo celular. Ou amparar-se no espelho para terminar de se arrumar.
Eu-trabalho não quer saber sobre a mãe, o pai ou o cachorro. Muito menos sobre o tempo lá fora. A simpatia do vizinho lhe incomoda. Se lhe perguntar pelas crianças, eu-trabalho dará aquela resposta pronta. “Estão ótimas, crescendo alegres e bem dispostas”.
A situação agora mudou. Ao sair na varanda, logo olho pro lado na expectativa de encontrar meu vizinho simpático. Como será que estão sua mãe, seu pai, seu cachorro? Olha que agradável o tempo aqui fora!
Não me incomodo com suas costas cabeludas e barriga à mostra. Longe do espelho do elevador, nem sei também como eu estou.
Mostro-lhe as crianças, como estão crescendo alegres e bem dispostas. Peço a elas para o cumprimentarem. Sei que a alegria delas será importante para ele, assim como sua simpatia me tem sido contagiante.
O trabalho está em pausa. Assim que entrar, irei continuar. Mas, amparado pelo lar, sigo me preparando para quando, sabe-se lá quando, cruzar aquela porta, eu-trabalho não me dominar. Se meu vizinho consegue, não há de ser impossível de se realizar.