O olhar do rinoceronte

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O olhar do rinoceronte

Não era a primeira vez que íamos ao zoológico. Mas, dessa vez, foi diferente. Não por causa do leão; até porque não conseguimos ver o leão. Um pouco pelo tempo chuvoso, que nos fez voltar para o carro umas quatorze vezes, até uma tempestade encerrar o passeio de vez, nos poupando, generosamente, de ter que ver todos os animais.

Também foi diferente porque, agora, os meninos já sabem mais do que eu o nome de alguns animais. Passando pelas cobras, que para mim eram tudo cobra, o mais novo, que é mais velho do que a mais nova, comentou despretensiosamente “humn… uma cascavel”. Confirmei pela plaquinha que era mesmo uma cascavel. Mas, como ele não sabe ler, perguntei: “como você sabe que é cascavel?”. Com tranquilidade, disse que era porque a cascavel faz um sininho ao andar e, apontando para o rabo da cobra, me mostrou que ela tinha um chocalho. Mas não foi só isso que tornou o passeio diferente.

Foi diferente também porque agora não eram duas, mas três crianças. No ano anterior, a mais nova, ainda bebê, foi barrada na porta porque ainda não havia sido vacinada contra a febre amarela. Claro que ela não ficou sozinha lá fora. Mas também não foi o fato de eu ter entrado, nem a presença graciosa dela, o que mais marcou o passeio.

O elefante, que já era grande, pareceu ter crescido ainda mais. Uma grandeza que não cansa de impressionar. Mas não foi ele que me chamou mais à atenção. Foi o rinoceronte…

Primeiro, ele estava bem longe. Mas, devagarzinho, foi se aproximando de nós. Já de muito perto, vi que seus olhos, envoltos de moscas, lacrimejavam: o rinoceronte chorava! Então os animais também choram? Parece que sim. E aquele rinoceronte, particularmente, chorava demais. Quanta tristeza! Seria aquele choro um pedido de socorro? Será que os animais não aguentam mais os maus tratos? Eles querem correr pela selva em liberdade? Que maldosos somos nós, pagando para ajudar a mantê-los trancados!

Assim que desviei o olhar do rinoceronte, deparei com a plaquinha ao lado, que explicava que ele, então o animal mais velho do zoológico, sofria de conjuntivite. Tivesse lido antes a placa, minha imaginação não teria voado tão alto.

Esclarecidas as lágrimas, as coisas fizeram mais sentido: pensando bem, o olhar do rinoceronte não expressava lá nem amargura nem revolta. Era um olhar raso, indiferente. Não estava feliz, mas também não se incomodava. A tristeza não era dele. O‌ pranto é, de fato, uma prerrogativa nossa, assim como o é o espírito de liberdade.

Mas, tudo bem; não fosse aquele curto devaneio, eu estaria aqui falando do tamanho do elefante, de crianças e do chocalho da cascavel…

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