Três canetas, um propósito

start-pvibukn_wcq-unsplash (1)

Três canetas, um propósito

Era fim de semana de dia dos pais. Contando o tempo da gravidez do primeiro filho, já era a quinta vez que eu me inseria entre os personagens principais daquele dia.

Despretensioso, e tirando onda de experiente, julgava que seriam dias como outros quaisquer. A intensidade que é criar e educar uma família, enquanto crio e reeduco a mim mesmo, não me permite chamar um único dia do ano de dia dos pais. “Não caio nessa. Vai ser um dia normal”. Esse planejamento íntimo, porém, não mudou o contexto daquele fim de semana.

Ainda na sexta-feira, ao buscar as crianças na escola, elas vieram me mostrar a lembrancinha que tinham feito em homenagem ao pais. Ganhei, de cada um, um bloquinho em formato de camisa social, preparados caprichosamente pelas professoras, e rabiscados por eles, em traços cuja beleza só os pais conseguem enxergar. No “bolso” de cada bloquinho havia uma caneta bic. Eram as primeiras duas que ganharia naquele final de semana (sim, sexta-feira já é final de semana).

Mantendo o propósito de ser um dia normal, no domingo de dia dos pais, após um passeio ao ar livre, fomos almoçar em um self-service simplesinho que costumamos ir de vez em quando. Meu filho mais novo estava choroso porque tinha ralado o joelho num tombo que levou de patinete. Em prol do almoço de todos, tive que ficar com ele no colo boa parte do tempo. Por mais convidativa que a comida estivesse, quem tem filho pequeno sabe que nessas horas dói menos segurar o apetite e assumir a derrota. Essa calma forçada acabou contribuindo para que pudéssemos desfrutar de uma mesa tranquila.

Mais para ao final do almoço, quando eu estava finalmente comendo, aproximaram-se da mesa duas senhorinhas, mãe e filha (a filha também era uma senhorinha). Dizendo que estavam nos observando desde que entramos no restaurante, elas me presentearam com uma caneta bic, delicadamente aconchegada em um papel e.v.a. em forma de gravata. Explicaram que saíram de casa decididas a dar aquele presente a algum pai.

Àquela altura, eu já havia recebido diversas mensagens e abraços pelo dia dos pais. Obviamente, apesar daquele plano inicial de um dia normal, já estava em um estado mais sensibilizado.

No final do dia, durante o núcleo de estudos, que tenho todo domingo, um amigo, que também é pai, deu uma compreensão sobre como as pequenas passagens relacionadas ao cuidado com os filhos vão formando na nossa herança gratas recordações e que essas passagens vão criando, entre nós e eles, um laço existencial.

Naquele momento, surgiu dentro de mim uma quantidade assombrosa de imagens de episódios que eu havia vivido com as crianças. Como uma prova de que estava no caminho certo, tive a sensação de ter acessado temporariamente uma pequena parte da arca das minhas recordações. Comovido por todos os acontecimentos, caí finalmente em choro. Não um choro de derrubar; daqueles que revigoram.

Inspirado na força daquelas imagens, e sentindo uma grande responsabilidade, recordei de um propósito que há um bom tempo já vinha sendo ensaiado e o transformei em decisão. Era o propósito de escrever.

Com o notebook aberto, fazendo da minha mão uma caneta, escrevi no canto da página: “é hora de começar”.

Deixe um comentário neste post

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *